quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Depoimento de Dilma - foto do livro, "A vida quer é coragem"


1970: Dilma, aos 22 anos, presa em São Paulo há 10 meses, depondo perante uma auditoria militar no Rio: em segundo plano, dois juízes militares cobrem o rosto, se escondendo da História
Já foi divulgada e comentada a foto até agora inédita da presidente Dilma Rouseff em 1970 quando, aos 22 anos, presa há 10 meses por agentes dos chamados órgãos de segurança em São Paulo, ela, que integrava uma organização de luta armada contra o regime, prestava depoimento numa auditoria militar no Rio de Janeiro.
A foto consta do livro A vida quer é coragem, uma biografia da presidente da República escrita pelo jornalista Ricardo Amaral e que está sendo lançado este mês pela Editora Primeira Pessoa.
Também quero comentar essa foto e o que vejo nela.
Em primeiro lugar, vejo uma jovem filha de família burguesa e educada em colégio de freiras que resolveu, ainda em seus verdes anos, dar um passo que milhões de brasileiros, à época — inclusive eu –, consideravam errado: partir para a clandestinidade e a chamada luta armada.
* Errado, em minha modesta opinião, porque acreditava então, como acredito agora, que só a ação política, por vias pacíficas, era e é admissível para tratar de mudar um regime.
* Errado, em minha opinião, porque a violência política só atrai mais violência.
* Errado porque, além de não admitir em absoluto a violência política, acreditava firmemente, como acredito agora, que a chamada “luta armada” da época não tinha a mais mínima, a mais longínqua, a mais remota chance de derrubar o regime.
* Errado, em minha opinião, porque os grupos armados que se levantaram contra a ditadura militar não queriam instalar o que, depreciativamente, consideravam uma “democracia burguesa” em seu lugar, mas um outro tipo de ditadura, de esquerda, para mim igualmente abominável.
* Errado porque, sem ter a mais mínima chance de derrotar o regime, deram a ele, com assaltos, atentados terroristas, assassinatos e sequestros, justificativa para endurecer ainda mais, violar ainda mais os direitos humanos, espremer e reduzir ainda mais os direitos civis e permanecer no poder mais tempo, talvez, do que poderia ter permanecido.
Em segundo lugar, o que vejo na foto são juízes militares cobrindo o rosto para não aparecerem na foto, com evidente culpa e vergonha pelo papel que exerciam — uma “justiça” espúria, num tribunal de exceção, com leis oriundas de um poder ilegítimo usurpado ao povo brasileiro por um golpe militar que rasgou a Constituição e mergulhou o país nas trevas da ditadura.
General Pery Constant Bevilacqua, ministro do Ssuperior Tribunal Militar, cassado em 1969
Para não generalizar cometendo injustiças, ressalvo apenas que a Justiça Militar, então encarregada de julgar crimes políticos e crimes “contra a segurança militar”, em seu nível mais alto — o Superior Tribunal Militar (STM) –, teve ministros dignos, altivos e independentes que procuraram, dentro dos limites estreitíssimos em que atuavam, e arriscando suas carreiras, fazer valer o respeito aos direitos humanos.
Entre eles, para citar alguns oficiais-generais dignos e corajosos, o general Peri Constante Bevilacqua, que chegou a ser cassado em 1969 com base no Ato Institucional número 5, o general Rodrigo Octavio Jordão Ramos, o general Reynaldo de Mello Almeida e o almirante Júlio de Sá Bierrenbach.
Esses ministros, exceção dentro da Justiça Militar, nunca precisaram esconder seus rostos de vergonha, como os juízes militares que se esconderam da História.

Coluna do

Ricardo Setti - Veja

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